No alvorecer do terceiro século da era cristã, a Igreja, ainda jovem e em formação, enfrentava tempestades de todas as direções. Externamente, a fúria das perseguições romanas, que transformavam arena em palco de martírio. Internamente, porém, uma ameaça talvez ainda mais insidiosa e corrosiva começava a brotar: as heresias. E foi nesse cenário tumultuado que um homem de fé simples, mas de sabedoria profunda, ascendeu ao trono de Pedro para guiar o rebanho: São Zeferino, o Papa que defendeu a pureza da fé com coragem e discernimento.
O Pontificado em Meio às Tempestades
Assumindo a Cátedra de Pedro no ano de 199, São Zeferino pastoreou a Igreja por cerca de duas décadas, um período marcado pela intensificação da perseguição sob o imperador Septímio Severo. No entanto, o imperador não era o único adversário a ser combatido. Dentro das próprias comunidades cristãs, floresciam doutrinas que distorciam a essência do Evangelho, causando uma confusão que, para muitos, era mais devastadora do que a própria ameaça da morte.
A principal batalha teológica de seu tempo foi contra o modalismo. Alguns, seduzidos por raciocínios filosóficos e um desejo de simplificar o mistério, começaram a confundir as Pessoas divinas, imaginando que Pai, Filho e Espírito Santo eram meras “máscaras” ou “modos” de um único ser divino, e não três Pessoas distintas em um só Deus. Negavam, na prática, a divindade plena de Jesus Cristo ou a distinção entre Ele e o Pai. Outros se apresentavam como a própria revelação do Espírito Santo, proclamando o fim do mundo ou ensinamentos rigoristas que sufocavam a misericórdia. Era um tempo de grande fermentação intelectual e espiritual desordenada, onde a verdade se via em perigo de ser obscurecida pela invenção humana.
A Sabedoria do Espírito Santo
São Zeferino não era um teólogo erudito, um homem de vasta formação filosófica. Contudo, possuía algo muito mais valioso: a sabedoria que vem do alto, guiada pelo Espírito Santo. Com um discernimento pastoral aguçado, ele soube reconhecer o perigo dessas doutrinas errôneas e, mais importante, soube como combatê-las. Longe de se isolar, Zeferino buscou a união com as mentes mais brilhantes da Igreja de seu tempo – figuras como o destemido Santo Ireneu de Lyon, o erudito Hipólito (que mais tarde se tornaria um antipapa, mas com quem Zeferino colaborou neste período) e o apaixonado Tertuliano. Essa união entre a autoridade pastoral e a inteligência teológica foi fundamental para desmascarar as heresias e reafirmar a fé ortodoxa, livrando os cristãos da mentira e dos rigorismos desmedidos.
Uma Visão para a Eternidade: As Catacumbas
Além de sua incansável luta pela verdade doutrinária, São Zeferino demonstrou uma visão prática e profundamente enraizada na fé cristã sobre a dignidade do corpo humano e o culto aos mártires. Em um mundo onde a cremação era uma prática comum entre os pagãos, os cristãos, com sua profunda crença na ressurreição da carne, desejavam um lugar de repouso digno para seus mortos, distinto dos costumes pagãos.
Nesse empreendimento, o Papa Zeferino reconheceu o brilho e a capacidade de um homem notável: seu diácono Calisto, um pagão convertido que mais tarde também subiria à Cátedra de Pedro como São Calisto I. Zeferino encarregou Calisto de organizar cemitérios cristãos separados. Com a doação de terras por famílias nobres cristãs, Calisto deu início a um monumental trabalho subterrâneo, escavando galerias e nichos para sepultamento. Essas construções, que se tornariam as famosas Catacumbas de São Calisto na Via Ápia, não eram apenas locais de sepultamento, mas espaços sagrados onde os cristãos podiam honrar seus mártires e expressar sua esperança na vida eterna. Zeferino, assim, não só defendeu a fé dos vivos, mas também garantiu um lugar de dignidade e esperança para os que partiam.
O Legado de um Pastor Fiel
O longo e desafiador pontificado de São Zeferino chegou ao fim em 217. As perseguições de Septímio Severo recrudesceram, resultando na proibição das atividades da Igreja. Foi nesse contexto de renovada violência que São Zeferino, fiel até o fim, entregou sua vida como mártir, unindo-se ao bispo Santo Ireneu no testemunho supremo de fé. Seu corpo foi sepultado, apropriadamente, em uma capela nas catacumbas que ele mesmo havia ordenado construir, na Via Ápia em Roma.
A vida de São Zeferino nos oferece um exemplo poderoso de liderança pastoral e discernimento espiritual. Ele nos lembra que a verdade da fé não é uma antiguidade empoeirada, mas uma rocha viva sobre a qual construímos nossa esperança. Sua coragem em face das heresias internas e das perseguições externas inspira-nos a permanecer firmes nos fundamentos da fé, buscando a sabedoria do Espírito Santo para distinguir o que é de Deus do que é meramente humano. Em nossos dias, a Igreja ainda enfrenta desafios, e a história de São Zeferino nos convida a ser guardiões vigilantes da fé, construtores de comunidades de esperança e testemunhas intrépidas da verdade de Cristo.
Que a intercessão de São Zeferino nos auxilie a amar e defender a Igreja, a buscar a verdade com um coração humilde e a testemunhar nossa fé com a mesma coragem e confiança que ele demonstrou. Que sua vida nos inspire a ser sempre fiéis à rocha sobre a qual Cristo edifica Sua Igreja, inabaláveis diante das tempestades e firmes na esperança da ressurreição.
Fonte de inspiração: Canção Nova