Na vastidão da história da Igreja, há vidas que resplandecem como faróis, guias luminosos para os caminhos da fé. A história de São Roque González de Santa Cruz e seus inestimáveis companheiros, Santo Afonso Rodríguez e São João del Castillo, é uma dessas narrativas, um épico de coragem, caridade e sacrifício que floresceu nas terras vibrantes da América do Sul. Mergulhemos na beleza de suas vidas, que ainda hoje nos inspiram a semear o Evangelho com ardor e devoção.
O Chamado Interior de Roque: Uma Alma Para o Além
Nascido em 1576, na pitoresca Assunção, no coração do que hoje é o Paraguai, Roque González era filho de uma terra nova e de um lar de fé profunda. Desde cedo, o jovem Roque distinguia-se não pela posição social que herdara, mas por uma alma que ansiava por algo mais elevado. Enquanto seus contemporâneos se perdiam em devaneios mundanos, ele se aprofundava na oração, na pureza e na amizade íntima com a Eucaristia. Era um líder nato, mas sua liderança não se manifestava pela força, e sim pela virtude, pelo exemplo sereno de quem já trazia no coração um destino maior. A coragem e a coerência de seu caráter, especialmente no que tange à fé, eram notáveis, um prelúdio para a jornada heroica que o aguardava.
Desde tenra idade, Roque sentia um profundo incômodo com a realidade dos povos indígenas, especialmente os Guaranis, cuja língua e cultura ele dominava com naturalidade. A exploração desumana a que eram submetidos pelos “encomenderos” feria-lhe a alma. Este senso de justiça e compaixão moldaria toda a sua vida sacerdotal.
Entre o Altar e a Selva: A Vocação em Ação
Aos 22 anos, Roque González foi ordenado sacerdote em Assunção. Mal azeite do Crisma secava em suas mãos, já se lançava em sua primeira missão junto aos índios ervateiros, submetidos a condições de verdadeira escravidão. Sua capacidade de se fazer “tudo para todos” era evidente, mas o chamado de Deus em sua vida era ainda mais profundo.
Apesar de seu fervor e virtude, nem todos os espanhóis o aceitavam. Sua dedicação aos indígenas e a falta de estudos nas prestigiadas universidades europeias o tornavam, para alguns, “iletrado”. Contudo, a fama de sua santidade e prudência espalhava-se. Recusando honrarias e cargos de destaque na diocese, Roque buscou a simplicidade e a radicalidade da Companhia de Jesus, ingressando nela em 1609. Ali, entre os filhos de Santo Inácio, ele reconheceu a plenitude de sua vocação.
O Quadro da Conquistadora: Um Sinal da Presença Mariana
Uma curiosidade que permeia a história de São Roque é a de um quadro de Nossa Senhora da Conceição, que se tornaria a célebre “Conquistadora”. Recebido em 1611, essa imagem seria sua companheira constante, um estandarte de fé e esperança em todas as suas longas e arriscadas empreitadas missionárias. Ela não era apenas uma figura devocional, mas um sinal da presença materna de Maria, fortalecendo-o nas pestes, fomes e enfermidades, e inspirando sua inesgotável caridade e fervor na catequese e na educação.
Semeando Reduções: A Construção de um Novo Mundo
A missão de Roque González, e depois de seus companheiros, era monumental. Não se tratava apenas de converter almas, mas de construir uma “civilização do amor” no coração da selva. As Reduções jesuíticas eram verdadeiros oásis de dignidade, onde os indígenas aprendiam novas técnicas agrícolas, recebiam educação e, acima de tudo, encontravam a fé e a esperança no Evangelho. Em 3 de maio de 1626, no solo gaúcho brasileiro, Roque celebrava a primeira Missa, fundando “São Nicolau” – a primeira de muitas sementes que brotariam esplendidamente.
As fundações de Candelária, Caaçapá-Mirim, Caaró e Assunção do Ijuí ou Pirapó seguiram-se, cada uma delas um testemunho da incansável dedicação desses missionários. Eles não temiam a imensidão da terra, a hostilidade de alguns povos ou as privações, pois eram impulsionados por um amor incondicional a Deus e ao próximo.
O Martírio: O Fruto da Semente Lançada
O zelo missionário, no entanto, não agradava a todos. Feiticeiros e líderes indígenas que se sentiam ameaçados em seu poder tribal tramavam contra a luz do Evangelho. Assim, em 15 de novembro de 1628, em um ato de barbárie movido pela inveja e pelo paganismo, São Roque González foi brutalmente assassinado por golpes de clava de pedra, logo após celebrar a Santa Missa, em Caaró. Seu companheiro, Santo Afonso Rodríguez, partilharia do mesmo destino. Poucos dias depois, em 17 de novembro, a 50 km dali, São João del Castillo também entregava sua vida por Cristo.
A tradição nos conta um fato extraordinário e profundamente devocional: ao tentarem queimar os corpos, os indígenas ouviram uma voz, que atribuíram ao coração ainda pulsante de Roque: “Matastes a quem tanto vos amava e queria! Matastes, porém, meu corpo apenas, pois minha alma está nos céus…” Uma voz que não exalava ódio, mas amor e profecia. Arrancado do corpo do mártir, seu coração foi transpassado, e hoje é venerado como uma relíquia preciosa, um símbolo vivo do amor que se entrega totalmente.
Legado de Fé e a Mensagem para Nós Hoje
Em 1988, o Papa João Paulo II canonizou estes três grandes evangelizadores, reconhecendo o heroísmo de suas vidas e o poder de seu testemunho. São Roque González, Santo Afonso Rodríguez e São João del Castillo são os primeiros mártires sul-americanos a alcançarem a glória dos altares, lembrando-nos que a fé cristã foi plantada com sangue de mártires nessas terras.
Qual a mensagem desses santos para a nossa vida hoje? Eles nos convidam a não ter medo de nos entregarmos por Cristo. A viver uma fé coerente e corajosa, mesmo diante das adversidades e da incompreensão. Eles nos lembram que nossa vocação é sempre missionária, seja na selva mais remota ou no cotidiano de nossas casas, trabalhos e comunidades. Somos chamados a ser semeadores de esperança, de justiça e de caridade, a construir, à nossa maneira, “reduções” de amor onde o Evangelho possa florescer.
Que o exemplo de São Roque González e companheiros mártires acenda em nós o mesmo ardor missionário e a mesma disposição de entregar nossa vida, cada dia, pela causa de Cristo. Que o amor de Deus nos impulsione a ser luz para o mundo.
A entrega total, como a desses santos, é a mais sublime oração que podemos oferecer a Deus.
Fonte de inspiração: Canção Nova







