Há dias que ressoam com a doçura da esperança e outros que nos convidam a contemplar a profundidade do sofrimento redentor. 15 de setembro é um desses dias, quando a Igreja nos chama a fixar o olhar em Nossa Senhora das Dores, a Mater Dolorosa, aquela que permaneceu de pé junto à cruz do Filho. Mais do que uma simples data, é um convite a mergulhar no oceano de dor de Maria, uma dor que não aniquilou sua fé, mas a transformou em um farol de esperança para todos nós.
A vida de Maria foi um contínuo “sim” à vontade divina, desde a Anunciação até o Calvário. E neste dia, não celebramos apenas a tristeza, mas a força invencível de uma Mãe que, unida a Cristo, participa da obra salvífica da humanidade.
Um Coração Traspassado: A Gênese de uma Devoção Profunda
A devoção à Mãe das Dores não nasceu de um decreto, mas da íntima experiência de fé do povo cristão. Desde os primeiros séculos, os fiéis contemplavam Maria não apenas como a Mãe feliz do Salvador, mas também como a mulher profetizada por Simeão, cujo coração seria traspassado por uma espada. Essa intuição, que ecoava nos corações, ganhou forma e força a partir do final do século XI, quando a arte, a poesia e a piedade popular começaram a expressar mais explicitamente a compaixão por Maria em seu sofrimento.
Um dos mais belos e tocantes testemunhos dessa devoção é o hino medieval Stabat Mater Dolorosa – “Estava a Mãe Dolorosa” – atribuído ao Frei Jacopone de Todi. Com versos que descrevem a Mãe em lágrimas, de pé junto à cruz, este hino não é apenas uma poesia; é uma oração que nos transporta para a cena do Calvário, permitindo-nos sentir a dor de Maria e, por extensão, a de Cristo. Foi essa profunda meditação sobre Maria ao pé da cruz que pavimentou o caminho para as primeiras celebrações litúrgicas em sua honra no século XV, solidificando a imagem da Mãe que participa ativamente da Paixão do Filho.
Guardians da Dor: A Ordem dos Servitas e a Expansão da Fé
A história da devoção a Nossa Senhora das Dores é inseparável da trajetória da Ordem dos Servos de Maria, conhecidos como Servitas. Fundada na Itália em 1233 por sete homens que abandonaram a vida mundana para se dedicarem a Deus e a Maria, essa Ordem tinha como carisma especial a veneração da Virgem em suas Dores. Eles viram no sofrimento de Maria um caminho de santificação e um modelo de entrega total à vontade divina.
Os Servitas não apenas praticaram, mas difundiram com zelo e amor o culto à Mater Dolorosa. Foi por seu empenho que, em 1668, receberam a permissão para celebrar uma Missa votiva específica das Sete Dores de Maria, aprofundando ainda mais a compreensão teológica e espiritual desse mistério. Ao longo dos séculos, a Igreja, reconhecendo a importância dessa devoção, moveu a data de sua celebração em diversas ocasiões, até que, por decreto de São Pio X, em 1914, fixou-a definitivamente em 15 de setembro, um dia após a festa da Exaltação da Santa Cruz, sublinhando a inseparável união de Maria com a Paixão de Cristo.
Os Sete Punhais: Símbolos de um Amor Inabalável
A imagem mais comum de Nossa Senhora das Dores é aquela em que seu coração imaculado é transpassado por sete espadas. Cada espada representa uma das Sete Dores de Maria, episódios marcantes narrados nos Evangelhos ou amplamente aceitos pela tradição da Igreja. Essas dores são como capítulos de um livro que contam a história de um amor que não se dobra diante da adversidade:
- A Profecia de Simeão.
- A Fuga para o Egito.
- A Perda do Menino Jesus no Templo.
- O Encontro com Jesus a Caminho do Calvário.
- Maria ao Pé da Cruz.
- Maria Acolhe Jesus Morto em Seus Braços (a Pietà).
- O Sepultamento de Jesus.
Cada uma dessas dores é um testemunho da fidelidade incondicional de Maria. Ela não se esquivou do sofrimento; antes, o abraçou como parte do plano de Deus. Sua face, muitas vezes representada com um semblante de dor e serena resignação, ou segurando o corpo sem vida de seu Filho, convida-nos a uma profunda compaixão e reverência.
A Mãe do Calvário: Maternidade Universal em Meio à Dor
A memória de Nossa Senhora das Dores nos chama a reviver o momento mais decisivo da história da salvação: a Paixão e Morte de Jesus. No Calvário, Maria não é uma mera espectadora; ela é a Mãe associada à Paixão de seu Filho, de pé, firme, próxima d’Ele, mesmo quando levantado na cruz. Naquele Gólgota, aos pés da cruz, sua maternidade assume dimensões universais. Ali, Jesus nos dá sua Mãe: “Mulher, eis aí o teu filho!” e ao discípulo: “Eis aí a tua Mãe!” (Jo 19,26-27).
Sua dor de Mãe se expande para acolher toda a humanidade ferida pelo pecado. Ela se torna nossa Mãe na ordem da graça, uma intercessora poderosa que conhece a profundidade de cada lágrima e de cada aflição humana. Maria, que carregou Jesus no ventre e depois nos braços, agora nos carrega em seu coração sofredor e compassivo.
O Sofrimento que Salva: Um Olhar para Nossas Dores Hoje
Contemplar Nossa Senhora das Dores não é um convite à tristeza passiva, mas à transformação do sofrimento. Em um mundo onde a dor muitas vezes parece sem sentido, Maria nos oferece um modelo de como vivenciar o sofrimento com fé e esperança. Ela não busca a dor, mas aceita-a como parte da vontade de Deus, unindo-a ao sacrifício de seu Filho.
Para nós, cristãos de hoje, que enfrentamos nossas próprias cruzes – a perda de um ente querido, a doença, a solidão, as injustiças, as provações da vida – Maria das Dores é um refúgio e um exemplo. Ela nos ensina que, mesmo nos momentos mais sombrios, não estamos sozinhos. Sua presença maternal nos convida a entregar nossas lágrimas e sofrimentos a Ela, para que, por sua intercessão, possamos encontrar consolo, força e crescer em nossa fé. Que possamos, como Maria, permanecer firmes, confiando que, após a cruz, há sempre a promessa da ressurreição.
Nossa Senhora das Dores, rogai por nós, para que saibamos amar e perseverar nas tribulações, com a fé inabalável que vos fez Mãe de todas as dores e de todas as esperanças.
Fonte de inspiração: Canção Nova







