Há um dia especial que pulsa com amor, reverência e história. Não celebramos um santo canonizado com um nome próprio, mas a Dedicação da Basílica de Latrão, um edifício que é muito mais do que pedra e argamassa: é a “Mãe e Cabeça de todas as igrejas da Cidade e do Mundo”. Esta festa, estendida a toda a cristandade por Bento XIII em 1724, é um convite a olhar para o local onde a nossa fé ganhou um lar visível, e a reconhecer a importância do Santo Padre e da Igreja em cada comunidade, da maior basílica à menor capela.
É um dia de unidade. De Roma, onde o Papa é o Bispo, até os mais distantes confins, nossa oração se eleva por ele, pelo sucessor de Pedro, pelo laço que nos mantém coesos como o Corpo Místico de Cristo. É também um momento para valorizarmos nossos próprios espaços sagrados, as igrejas que nos acolhem, nos nutrem e nos unem, celebrando o patrimônio físico que aponta para uma realidade espiritual muito maior.
De Catacumbas a Santuários Radiantes
Imagine o ano 313. Após séculos de perseguição nas catacumbas e em segredo, os cristãos finalmente respiram a liberdade. O Imperador Constantino, num gesto de divina providência, não apenas lhes concede paz, mas doa ao Papa Melquíades uma vasta propriedade da nobre família Lateranense. Ali, onde antes havia um palácio imperial, nasceria o primeiro grande complexo eclesiástico: a Basílica, o Batistério e a “Patriarquia”, que seria a residência papal por mil anos, até o período de Avinhão. É ali, naquele chão sagrado, que a Igreja, que vivia na clandestinidade, ergue sua cabeça e abre suas portas ao mundo, deixando de ser apenas uma comunidade de casas para se tornar uma congregação em um templo majestoso. A Dedicação de Latrão marca o momento em que a Igreja, visivelmente, emerge para ser luz no mundo.
Um Nome para a Eternidade: O Salvador e Seus Precursores
Foi o Papa Silvestre I quem dedicou esta majestosa igreja ao Santíssimo Salvador, por volta de 318 ou 324. O nome central, portanto, é sempre Jesus Cristo. Somente séculos depois, no século VI, foram acrescentados os títulos dos santos João Batista e João Evangelista, em parte devido à construção de uma capela dedicada a São João Batista, que servia como batistério – o lugar onde milhares de almas nasceram para a nova vida em Cristo. Essa associação nos lembra a importância do Batismo, a porta de entrada para a Igreja, e da Palavra de Deus, que os evangelistas nos transmitiram.
Assim, a Basílica Papal do Santíssimo Salvador e dos Santos João Batista e Evangelista de Latrão ostenta a verdade de que Cristo é o centro, e que o caminho para Ele passa pela purificação do Batismo e pela iluminação da Palavra. Não é à toa que a chamamos de “mãe e cabeça” de todas as igrejas: ela nos recorda nossas origens e nossa vocação.
O Sagrado em Pedra e em Espírito
O Papa Bento XVI, em 2008, nos convidou a refletir sobre o mistério que esta festa celebra: Deus deseja edificar um templo espiritual, uma comunidade que o adore em espírito e verdade. Mas ele também ressaltou a importância dos edifícios materiais, que são preciosos patrimônios religiosos e históricos. Nossas igrejas de tijolo e argamassa são sinais concretos da presença de Deus, pontos de encontro, portais para o céu. São lugares onde gerações de fiéis encontraram consolo, perdão e esperança. Elas nos ensinam que o belo material pode nos elevar ao Belo transcendente.
E a maior lição que a Basílica de Latrão nos oferece é a que o próprio Papa Bento XVI sublinhou: que Maria Santíssima nos ajude a tornar-nos como ela, “casa de Deus”, templo vivo do Seu amor. Maria, com seu “Sim”, tornou-se o primeiro santuário vivo de Cristo, um exemplo perfeito de como nosso corpo e alma podem ser morada divina.
Somos Templos Vivos do Espírito
A verdade mais profunda desta celebração reside na certeza de que cada um de nós, pelo Batismo e pela Eucaristia, é também a “casa de Deus”. São Paulo nos lembra: “Não sabeis que sois templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós?” (1Cor 3,16). Sim, o Ressuscitado mora em nós! É uma realidade que nos enche de louvor, mas que, muitas vezes, nos faz repetir, com humildade, as palavras do centurião: “Senhor, eu não sou digno de que entreis em minha casa…”. Contudo, Ele já está em nós, nos acolhe e nos ama não como gostaríamos de ser, mas como somos, aqui e agora, com todas as nossas fragilidades e imperfeições.
Esta consciência nos convida a cuidar de nosso próprio “templo interior”, a purificá-lo e a embelezá-lo com a graça, pois é ali que Deus escolheu fazer sua morada mais íntima.
O Olhar Fixo que Ilumina a Alma
Em meio às distrações do mundo, nossa face espiritual muitas vezes se embaça, tornando desfocada a presença do Senhor em nós. Mas, ao aprender a manter nosso olhar fixo em Jesus, autor e aperfeiçoador da nossa fé (cf. Hb 12,1-4), nosso rosto começará a irradiar a luz que brota de um coração unificado. Este equilíbrio não é algo passageiro, mas um caminho de vida, um contínuo “entrar em nós mesmos”, como nos ensina Santa Teresa de Ávila em seu Castelo Interior, para encontrar a “morada do Rei” dentro de nós.
Que, ao celebrar a dedicação desta basílica mãe, possamos renovar o compromisso de sermos templos vivos de Deus, cuidando com zelo tanto dos edifícios de pedra que nos abrigam, quanto dos “templos de carne” que somos e que nos cercam. Que nosso olhar discerna o sagrado em cada objeto, em cada pessoa, em cada instante. Pois onde há fé e amor, ali está a presença de Deus, construindo seu Reino de eternidade. Que assim seja. Amém.
Fonte de inspiração: Canção Nova







