A pergunta “Qual era a religião de Jesus?” é uma dúvida persistente e fundamental para muitos que buscam compreender as raízes do cristianismo e sua relação com o judaísmo. Se Jesus era judeu, por que a Igreja que Ele fundou, a Igreja Católica, não é a Igreja Judaica? Para desvendar essa questão crucial, é essencial mergulhar nas nuances do judaísmo e na natureza da missão de Jesus Cristo, que culminou na instauração de uma Nova e Eterna Aliança, universal por essência.
Judaísmo: Etnia versus Religião
Para iniciar essa análise, é crucial entender que o termo “judeu” possui uma dupla conotação que nem sempre é considerada em sua totalidade. O judaísmo não se refere apenas a uma religião; é também um povo, uma tradição e, em certo sentido, uma etnia. Isso significa que é possível que alguém de etnia judaica pratique outras religiões, como o catolicismo, tornando-se, por exemplo, um “judeu católico”.
Jesus, de fato, era judeu. Ele é filho de uma mulher judia, Nossa Senhora, e, portanto, é judeu por etnia até hoje. A Encarnação de Deus ocorreu, de maneira significativa, no seio do povo judaico, um testemunho da fidelidade divina às promessas feitas a Abraão. Assim, ao se referir a Jesus como judeu, é vital discernir se estamos falando de sua ancestralidade e povo de origem ou de sua adesão à religião judaica no sentido estrito da espera messiânica, um ponto que abordaremos a seguir. Sua identidade étnica judaica é inegável e permanece, mesmo após sua ascensão, pois Jesus subiu ao céu em corpo e alma como judeu de etnia.
O Judaísmo como “Sala de Espera” para o Messias
A natureza essencial do judaísmo religioso é a espera do Messias prometido. Todo o Antigo Testamento, a base da fé judaica, gira em torno da esperança messiânica, aguardando a vinda de um Messias que traria uma nova aliança e superaria a antiga lei. Jesus Cristo é, para o cristianismo, essa promessa cumprida. Ele próprio declara no Evangelho de Mateus: “Este é o sangue da nova e eterna aliança”. Ele também afirma que não veio para abolir a lei, mas para cumpri-la e levá-la à plenitude.
Isso cria uma profunda implicação para a religião de Jesus e para o judaísmo: se Jesus é o Messias que chegou, a religião judaica, em seu sentido de espera, perde sua razão de ser. Não há mais o que esperar se o esperado já se manifestou. É como se o judaísmo fosse uma sala de espera: uma vez que o seu nome é chamado, uma vez que Jesus nasceu e se manifestou, não faz mais sentido permanecer na sala de espera, pois “o tempo está cumprido, o reino de Deus está próximo; convertei-vos e crede no Evangelho”, como Jesus fala em Marcos. A plenitude da Revelação Divina é Nosso Senhor Jesus Cristo, o Messias.
A Nova Realidade: Cristianismo e Universalismo
Aqueles que reconheceram Jesus como o Messias passaram a segui-lo em uma nova realidade, que hoje chamamos de cristianismo. Esta nova realidade é fundamentalmente universal. Enquanto a aliança de Deus no Antigo Testamento era restrita ao povo judaico, ao povo de Israel, com Jesus, essa aliança se expande para todas as pessoas na face da terra. Isso está profetizado no livro de Isaías, que declara: “Minha casa será chamada casa de oração para todos os povos”. Essa profecia, anterior ao nascimento de Jesus, apontava para um futuro onde a promessa de Deus abrangeria a humanidade inteira, e não apenas o povo de Israel.
Essa universalidade é a essência da fé da Igreja, que em grego é chamada de “católica“, ou seja, “para todos aqueles que nasceram”. A revelação de Deus não se restringe mais a um povo específico; todos estão “no mesmo barco” agora. A religião de Jesus é, portanto, universal em sua essência.
O Cumprimento da Lei, Não a Abolição
A transição do judaísmo para o cristianismo não foi um ato de abolição, mas de cumprimento e plenitude. Jesus mesmo afirmou que não veio para abolir a Lei, mas para cumpri-la e levá-la à sua plenitude. São Paulo, em suas cartas, reforça essa ideia ao dizer que “o fim da lei é Cristo, para justificação de todo o que crê”. Ele também enfatiza a nova unidade em Cristo, declarando aos Gálatas: “Não há mais judeu nem grego, escravo nem livre, homem nem mulher; todos sois um em Cristo Jesus”. Essa afirmação radical de São Paulo demonstra que as distinções que antes marcavam a Antiga Aliança perderam sua centralidade na Nova Aliança.
A prática da Lei Mosaica era, segundo São Justino Mártir, apenas “sobras das coisas futuras”; Cristo trouxe a plenitude, sendo a realização de toda a Lei Mosaica. Se antes a Lei era um guia, agora Jesus é o próprio caminho, a verdade e a vida, o destino final para o qual a Lei apontava.
O Concílio de Jerusalém: Um Marco Decisivo
A questão da continuidade da Lei Mosaica para os novos convertidos ao cristianismo foi um tema central nos primeiros dias da Igreja, gerando debates significativos. Um dos momentos mais decisivos para a compreensão da natureza universal da nova fé foi o Concílio de Jerusalém, documentado em Atos, Capítulo 15. São Paulo havia começado a pregar o Evangelho aos pagãos, ou “gentios”, que não eram judeus. Quando esses pagãos se convertiam, surgia a dúvida fundamental: eles deveriam ser circuncidados e seguir a Lei Mosaica para serem cristãos? São Paulo argumentava que não, enquanto um grupo de cristãos conhecidos como “judaizantes”, que ainda seguiam as leis mosaicas, dizia que sim.
Para resolver essa controvérsia, os cristãos foram a Jerusalém. Lá, aos pés de São Pedro, ficou claro que a circuncisão não era mais necessária para os gentios se tornarem cristãos. Essa decisão crucial no Concílio de Jerusalém foi um marco, consolidando a ruptura formal com a necessidade de seguir a Lei Mosaica para ser cristão e reafirmando o caráter universal do cristianismo, abrindo as portas da fé para todos os povos sem as barreiras da antiga lei ritualística, e delineando a natureza da futura religião de Jesus.
A Compreensão Patrística da Igreja como a Nova Israel
Os Padres da Igreja dos primeiros séculos também reforçaram a compreensão de que a Igreja de Cristo não é o judaísmo, mas a sua plenitude e continuação universal. Santo Inácio de Antioquia (século II) afirmou que se em seus dias alguém continuasse a viver segundo o judaísmo, estaria confessando que não recebeu a graça, pois viver como judeu significaria ainda estar esperando o Messias e, consequentemente, não crer que Jesus é Deus. Para ele, a aceitação de Jesus como o Messias implicava uma nova forma de vida, não mais ligada às práticas da antiga aliança como caminho de salvação.
São Justino Mártir também explicava que a prática da Lei eram apenas “sombras das coisas futuras”, e que Cristo trouxe a plenitude e é a realização de toda a Lei Mosaica. Mais enfaticamente, Santo Irineu de Lyon (século II) foi explícito ao declarar que a Igreja é a “Israel herdeira das promessas feitas a Abraão”. Essa é uma afirmação de profunda teologia: tudo aquilo que foi prometido ao povo de Israel na Antiga Aliança é agora transferido e cumprido na Igreja Católica, que assume e concretiza todas as promessas feitas aos patriarcas. Esta perspectiva consolida a ideia de que a Igreja Católica não é uma religião à parte, mas a continuidade e a plenitude da história da salvação iniciada com o povo judeu, mas agora aberta a todos, o que, de fato, se tornaria a religião de Jesus em sua manifestação plena.
A Vida Judaica de Jesus e a Instituição da Igreja
É natural questionar: se Jesus fundou a Igreja Católica, por que Ele mesmo vivia como judeu, praticando peregrinações a Jerusalém e observando o judaísmo como sua fé verdadeira? A resposta é simples e profundamente teológica: Jesus ainda não havia manifestado plenamente a Igreja Católica durante seu ministério terreno. Enquanto isso não acontecia, Jesus, como homem perfeito, viveu a fé verdadeira daquela época, que era o judaísmo. Durante seu ministério público, Ele cumpriu todas as práticas judaicas, como guardar o sábado e realizar as peregrinações anuais, por exemplo, no Yom Kippur, no Templo de Jerusalém.
No entanto, enquanto vivia essas práticas, Ele também instituía coisas novas que não faziam parte da religião judaica. Por exemplo, a instituição da Eucaristia na Última Ceia. Ou o Batismo como um novo rito de ingresso na comunidade. E, notavelmente, a concessão do poder de perdoar os pecados aos Apóstolos em João 20. Este último ponto era um sacrilégio para os judeus, pois acreditavam que somente Deus poderia perdoar pecados. Ao dar esse poder aos Apóstolos, Jesus estava inaugurando algo que nunca havia existido na história do judaísmo. Além disso, em Mateus 16, Jesus estabelece o primado de Pedro sobre toda a sua Igreja. Esses atos demonstram que, mesmo enquanto vivia como judeu, Jesus estava ativamente instaurando sua Igreja, a herdeira das promessas de Abraão, que se tornaria a verdadeira religião de Jesus.
A “Fundação” da Igreja: Um Processo, Não um Evento Único
É comum que as pessoas busquem um momento exato da “fundação” da Igreja Católica, muitas vezes apontando para a passagem de Mateus 16: “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha igreja”. Contudo, as fontes explicam que a Igreja não teve um evento único de inauguração, um momento em que “se corta a faixa” e ela nasce. Em vez disso, a Igreja é um processo contínuo que começou muito antes, sendo “sonhada por Deus antes de criar todas as coisas”. O Catecismo, citado nas fontes, ensina que todas as coisas foram feitas para a Igreja, pois a Igreja representa a comunhão com Deus, que é o fim último de tudo. Ou seja, toda a criação existe para que possamos estar em comunhão com Deus, e essa comunhão se realiza na Igreja.
Embora não haja um único ato fundacional, existem diversos momentos significativos que marcam a construção e a manifestação da Igreja ao longo do tempo. Isso inclui a escolha dos Apóstolos, a própria promessa de Mateus 16 que acabamos de citar, e, crucialmente, a Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo. Os Padres da Igreja, como mencionado nas fontes, afirmam que do lado aberto de Cristo na cruz nasce o sacramento da Igreja. Finalmente, o Pentecostes é o momento em que a Igreja começa sua missão pública, a manifestação geral da Igreja para todos os povos. Assim, a Igreja de Cristo é a Igreja Católica porque ela é a continuidade da obra de Cristo, algo novo que abrange todas as nações, a verdadeira religião de Jesus.
Por Que Jesus Não Praticava o Catolicismo?
Uma pergunta que pode surgir é: por que, se Jesus fundou a Igreja Católica, Ele nunca é visto praticando a religião católica? A explicação é teologicamente profunda e lógica: a religião católica é, por sua essência, a adoração de Nosso Senhor Jesus Cristo. Se Jesus praticasse a fé católica, isso implicaria em Ele adorar a si próprio, o que seria um paradoxo, como “um cachorro correndo atrás do rabo”, sem muito sentido. Cristo é o centro, o sentido, o Alfa e o Ômega da fé católica. Não faria sentido que Ele praticasse uma religião cujo destino e foco fosse Ele mesmo. Ele é o objeto de adoração, não o adorador nesse contexto específico.
Assim, a fé católica não é uma religião que Jesus “praticava”, mas sim a religião que O tem como seu fundamento, seu propósito e sua plenitude. Se o objetivo é seguir a Igreja que Cristo fundou, a única opção, historicamente, é seguir a Jesus Cristo e os sucessores daqueles Apóstolos que Ele escolheu. A linha de sucessão apostólica, desde Pedro, Lino, Cleto, Clemente, Sixto e tantos outros, chega até o Papa Francisco, demonstrando uma continuidade histórica e ininterrupta da Igreja fundada por Cristo.
Conclusão
Em suma, a questão “Qual era a religião de Jesus?” nos leva a uma compreensão mais profunda do cristianismo. Jesus era, e ainda é, judeu por etnia, filho de uma mulher judia, e a Encarnação divina ocorreu no seio do povo judeu. Contudo, sua missão não era continuar o judaísmo como religião de espera, mas sim cumprir as promessas messiânicas e inaugurar uma Nova Aliança universal. O judaísmo, em sua essência, era a “sala de espera” para o Messias; com a vinda de Jesus, essa espera se concretizou, e uma nova realidade, o cristianismo, emergiu.
A Igreja Católica, com seu nome que significa “universal” em grego, é essa nova realidade, a herdeira das promessas de Abraão, aberta a todos os povos, sem as restrições da antiga Lei Mosaica. Embora Jesus tenha vivido e cumprido as práticas judaicas durante seu ministério, Ele simultaneamente instituía os fundamentos de sua Igreja, que se manifestaria plenamente no Pentecostes. A Igreja Católica é, portanto, a continuidade e a plenitude da obra de Cristo, a única opção para aqueles que desejam seguir a Igreja que Ele fundou e que perpetua a fé Nele. Não há necessidade de “virar judeu para ser igual a Jesus”; o que Jesus espera é que se siga a fé que Ele inaugurou e se desenvolveu na Igreja Católica.
FAQ
Jesus era judeu por religião?
Jesus era judeu por etnia, nascido de uma mulher judia. No entanto, a sua missão era cumprir as profecias messiânicas e inaugurar uma Nova Aliança, não continuar o judaísmo como religião de espera.
Se Jesus era judeu, por que a Igreja que Ele fundou não é a Igreja Judaica?
A Igreja que Jesus fundou, a Igreja Católica, é a plenitude do judaísmo. O judaísmo, em sua essência, era a “sala de espera” para o Messias. Com a vinda de Jesus, essa espera se concretizou, e uma nova realidade universal, o cristianismo, emergiu.
A Igreja Católica aboliu a Lei Mosaica?
Não, a Igreja Católica não aboliu a Lei Mosaica. Jesus veio para cumprir a Lei e levá-la à sua plenitude. As práticas rituais da Antiga Aliança perderam sua centralidade com a vinda de Cristo, que é o cumprimento de toda a Lei.
O que foi o Concílio de Jerusalém e qual sua importância?
O Concílio de Jerusalém (Atos 15) foi um marco crucial na Igreja Primitiva. Ele decidiu que os gentios convertidos ao cristianismo não precisavam seguir todas as leis mosaicas, como a circuncisão, reafirmando o caráter universal do cristianismo e abrindo a fé para todos os povos.
Por que Jesus praticava costumes judaicos se estava fundando uma nova religião?
Durante seu ministério terreno, Jesus viveu a fé verdadeira daquela época, que era o judaísmo, cumprindo suas práticas. Contudo, Ele simultaneamente instituía os fundamentos da Igreja, como a Eucaristia, o Batismo e o poder de perdoar pecados, que se manifestaria plenamente no Pentecostes.
A Igreja Católica foi fundada em um único momento?
Não houve um evento único de “fundação” da Igreja. Ela é um processo contínuo “sonhado por Deus antes de criar todas as coisas”. Momentos significativos incluem a escolha dos Apóstolos, a promessa a Pedro (Mateus 16), a Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus, e o Pentecostes, que marcou sua manifestação pública.
Por que Jesus não é visto praticando o Catolicismo?
A religião católica é, por sua essência, a adoração de Nosso Senhor Jesus Cristo. Não faria sentido que Jesus praticasse uma religião cujo foco fosse Ele mesmo. Ele é o objeto de adoração, não o adorador nesse contexto específico. A fé católica O tem como seu fundamento, propósito e plenitude.